Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2007
Aborto: o dia seguinte
Após o final da II Guerra Mundial, algumas ilhas no Pacífico viram-se de súbito privadas do afluxo de bens modernos que os aviões americanos representavam. Para remediar a carência, resolveram então os nativos fabricar os seus próprios aeródromos no meio da selva, decorados com torres de controlo em bambu, guarnecidos por “técnicos” com auscultadores em madeira; pistas falsas onde em breve os aviões voltariam a aterrar, restaurando a prosperidade e os stocks de chocolates Mars.
Esta mentalidade pré-lógica, com a sua tremenda fé em rituais e palavras poderosas, sempre foi muito popular em Portugal. Exemplo: em 1878, estreou-se a iluminação pública eléctrica no Chiado. Logo surgiram estes versos deliciosos e tão certeiros no DN: “Já tem luz o município. (...) / Vão rasgar-se os boulevards, / Abrir-se asylos, escolas,/ Passeios, largos, bazares;/ Vai haver docas no Tejo, / Museus de estudo e recreio, / De gosos vasto cortejo, / Praças com repuxo ao meio; / Vai começar nova era,/ Vai surgir um tempo novo”. Claro está que poucos meses depois a edilidade descobriu que não conseguia sustentar os candeeiros milagrosos e tratou de os desligar.
Na noite televisiva do referendo, pudemos vislumbrar um cartaz que rezava “Bem-vindos ao século XXI”. Eis o pensamento mágico em todo o seu esplendor: o aborto, mais do que uma causa, era um símbolo do Portugal de Abril. Da terra da igualdade, da camaradagem, das manifs felizes dia sim, dia não. Uma vez legalizado, por certo que traria o Futuro.
Agora, prevê-se um doloroso regresso à realidade. Quando acordarmos e virmos que quase tudo continua na mesma, que o desemprego não sumiu, que o Progresso não aterrou por cá nas asas do sonho. Pior: há menos uma Causa pela qual lutar.
Dos lados de Belém, chegou outra tocante manifestação de fé nas palavras. Cavaco Silva veio agitar as varinhas mágicas da moderação, do equilíbrio e, sobretudo, do “consenso”. Tudo para evitar as incómodas “clivagens”. Como se agora o PS, legitimado pela sua maioria e pelo referendo, tivesse de elaborar leis que não incomodem os sentimentos de quem lutou pelo “não”. Talvez se consiga, ao mesmo tempo, praticar e não praticar abortos legais.


publicado por Luis Rainha às 11:00
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