No último “Expresso”, lá vem mais uma “Crónica Feminina”, da autoria de um dos grandes equívocos das letras lusas, Inês Pedrosa. Digo “equívocos” para não usar palavras mas indigestas, como “aldrabice”. Na realidade, pouco separa esta autora de luminárias como Margarida Rebelo Pinto, além da
patine cultural cedida por amigos prestimosos e de uma suposta “seriedade” que ninguém sabe ao certo de onde virá. Inês Pedrosa foi jornalista, cabeça-de-cartaz do patusco movimento erigido em torno desse monumento ambulante que é o Manuel Alegre e autora de uns quantos romances pretensiosos e genericamente muito fracos.
Desta vez, vem a senhora falar-nos de Jean Baudrillard, a propósito, claro está, do seu falecimento. Lembra-se a putativa romancista de ter entrevistado o sociólogo francês. Não que ele tenha sido o seu interlocutor preferido: esse, ela nunca saberá quem foi. E não se trata de jactância ou de pose
blasée; “não é diplomacia nem maldade, apenas negro olvido, olé, irreversível, trágico, como o dos folhetins espanhóis que eu escondia debaixo do colchão naquela idade incauta, pré-baudrillardiana”... blábláblá. Não sei o que deplorar mais: se o pavoroso e despropositado “olé”, se o facto de a senhora confessar depois que Barthes e Baudrillard a ensinaram a “voar”. Não culpem os instrutores pelo despenhamento da pupila, por favor.
Recorda-se a senhora de ter dado com o pensador agora falecido num Colóquio (com maiúscula, pois então) onde ele brilhava “desancando nesse ‘pensamento fraco’, então quase único a que se chamava pós-modernidade”.
Que Baudrillard tenha sido sim um dos arautos dessa mesma pós-modernidade pouco incomoda a brava Inês. A ela, interessa verberar o tal “pensamento fraco”, que, está-se mesmo a ver, só pode ser coisa má; mesmo que se tratasse de uma oposição aos “pensamentos fortes” das grandes certezas políticas que têm por hábito empurrar-nos para mais perto do abismo. Adiante.
A hagiografia de Baudrillard prossegue imperturbável: ele “disse coisas politicamente incorrectas – e de enorme justeza - sobre o
‘complot da arte’ contemporânea”, “sobre a guerra do Golfo”, etc, etc. Claro que ele fazia tudo isto desviando-se sempre do “estreitamento ideológico-burocráticos das sociologias”. E claro que nem adianta tentar entender o que quererá isto dizer: o vazio é a matéria-prima que Inês partilha com a colega Rebelo Pinto. Que as idiotices que o bom sociólogo verteu sobre a arte de hoje e sobre a primeira guerra do Golfo (para ele coisa redutível à sua representação mediática, ignorando o horror e o sangue de milhares) sejam corroboradas com esta leveza inconsciente é uma boa prova das teses do pensador francês: o que interessa hoje é a superfície das coisas, o brilho da sua reflexão no ecrã mais próximo, não a sua substância ou relevância.
Mas Inês Pedrosa, quiçá ainda presa aos tais “folhetins”, só quer saber das “coisas igualmente sísmicas” (sic) que S. Baudrillard lhe depositou na trompa de Eustáquio. A correria para parecer culta ao tratar com tal familiaridade um Grande Vulto obriga-a a ignorar a evidência maior: o sociólogo francês criou uma obra de estilo fascinante mas de fundações inexistentes. Claro que o universo de hiper-realidade e de infinitas ordens de simulacros por ele anunciado é um intrigante pastiche de Philip Dick e pouco mais: claro que a guerra do Golfo existiu mesmo; claro que as trocas simbólicas não obnubilaram um mundo bem real; claro que só no mundo do
“Matrix” é que aquilo faz mesmo sentido; claro que Sokal apanhou o homem em flagrante; claro que ele se deixou sugar pelo buraco negro do frenesi de comunicação que denunciava, como
bem explica o espanhol José Antonio Marina. Claro que só uma esquerda faminta de profundidade e actualidade é que se lembraria de engolir aquele
jogo brilhante mas solipsista como se se tratasse das novas Escrituras Divinas.
Acabando o tema Inês Pedrosa, tudo isto só vem provar que uma coisa é andar a correr atrás dos grandes deste mundo de microfone em riste, outra bem diferente é compreender o que eles nos dizem.
Como contraste depois de tanta vacuidade, recomendo o regresso a Gianni Vattimo, que nos deixa aqui um
belo obituário. Ah, o filósofo italiano criou precisamente a tal expressão que Baudrillard teria “desancado” sem dó nem piedade: o "
pensiero debole".