
A globalização operou enormes transformações no nosso entendimento de duas dimensões cruciais: o espaço e o tempo. O que há décadas eram distâncias insuperáveis que nos separavam do resto do mundo são hoje proximidade total: com um movimento do rato, obtemos notícias da Turquia, música do Burkina Faso, literatura mexicana. Neste fluxo imediatista, o tempo encolheu também: tudo nos chega instantaneamente, sem mediações ou diferimentos.
Ao diminuir a importância das fronteiras e dos estados-nação, a globalização trouxe-nos uma nova versão dos media: se a palavra impressa alimentou o nacionalismo do século XIX e as audiências massificadas foram — juntamente com essa instância ubíqua, o consumidor — a forma dominante de afirmação de cidadania no sec. XX, a Internet, sobretudo agora com as promessas da
Web 2.0, anuncia um admirável século novo onde reinam a atomização dos públicos, a multiplicação de escolhas por parte dos espectadores, a participação interactiva e uma relação mais justa e biunívoca entre emissores e receptores.
As novas tecnologias de comunicação vieram abrir o espaço de actuação na arena mediática a multidões: quem tem uma câmara pode ser uma estrela do
YouTube, quem sabe escrever pode reinar na blogosfera. O telemóvel e o
e-mail massificaram o conceito de contacto permanente, de contínua troca de conteúdos e mesmo de exibição pública de aspectos das nossas vidas que até há pouco eram exclusivamente privados.
Algures no Iraque, um telemóvel bastou, com a ajuda de
sites de uso gratuito e universal, para criar mais uma crise em redor da ocupação. O acto de recolher e disseminar imagens pode ser, por si só, uma disrupção catastrófica na ordem pretendida das coisas. (Ou talvez não: provavelmente a difusão daquelas imagens fez parte integrante do dispositivo dramático do linchamento de Saddam.)
E se a globalização veio sem dúvida reforçar desigualdades entre nações e ameaçar as culturas mais débeis face ao hegemónico modelo ocidental, não deixa de ser verdade que redes de novos movimentos sociais florescem articulados sobre as potencialidades da
Web: multiplicam-se focos de insatisfação e contestação, ligam-se estratégias de resistência, amplificam-se protestos, tudo sem necessidade dos monstros dispendiosos que são as máquinas de propaganda e de
mass media.
Estes estão neste momento em fase de adaptação: jornais criam versões online onde se multiplicam fóruns de discussão e blogues, as TVs elegem como vedetas pessoas comuns que apenas se distinguem pela exposição em
reality-shows. Mesmo o jornalismo “sério” tende a confundir-se com dispositivos novos como os blogues, ao usá-los de forma sempre mais intensa e generalizada como fontes, aferidores de processos e ferramenta de interacção com leitores e espectadores.
Mas aos media tradicionais estará reservado um papel cada vez mais obviamente necesssário, à medida que a informação em nosso redor se torna mais abrangente, vasta e sobre-humana em dimensão: o de mediador, de aconselhador. Quando alguém pode seleccionar qualquer pedaço de informação ou de conteúdo noticioso para consumir numa dada hora, como irá escolher sem ajuda? Dispositivos como o Google News podem bem ser um embrião desta nova realidade.
Por outro lado, os media não são apenas testemunhas da globalização: são igualmente suas “vítimas”. A concentração cada vez mais notória de órgãos de comunicação em grandes grupos transnacionais é um fenómeno imparável. O que poderá, no futuro, ser uma ameaça à sua pluralidade e independência. Quando um jornal sediado em Londres pode ter o mesmo dono de uma rádio alemã e de incontáveis outros media espalhados pelo mundo, quem nos garantirá que estamos a receber ambos dos lados das questões mais relevantes? Aqui, a globalização acaba por servir de antídoto aos males que trouxe: a multiplicação de novos autores e actores da cena mediática, possibilitada pela Internet, acabará por nos devolver um retrato fiel do nosso mundo, ainda que necessariamente fragmentado, plural e complexo. Palpita-me que acabaremos por ficar a ganhar.